terça-feira, 17 de dezembro de 2013

ALCÁÇOVAS
Alcáçovas e não Alcáçova (do árabe al-qasba = fortaleza com residência soberana no interior) pois acredita-se que aqui existiram duas fortalezas.
O coreto do Jardim Público
No Jardim Público, junto ao coreto, em tempos recuados acontecia a Feira da Conversa. Da “conversa” pois apesar dos cestos do Algarve, da ourivesaria de Gondomar e outras joias vindas de vários lugares de Portugal, os frequentadores, oriundos das localidades em redor, aproveitavam o ensejo para por a conversa em dia… para desespero dos feirantes que nada vendiam. Daí o nome: Feira da Conversa.
Nesse mesmo jardim já teve também lugar a Feira do Chocalho. O chocalho, um símbolo da vila. Aliás, garantem os pastores, os chocalhos pendurados aos pescoços das animálias, aumentam a produção de leite.
Embrechados; Horto do Paço dos Henriques
No sec. XIX existiam duas bandas filarmónicas: a Banda dos Pés Frescos – formada por elementos de baixo poder aquisitivo – e a Banda dos Nalgueiros – mais abastados, e não só de nalgas… Ambas faziam arruadas e sempre que se encontravam era briga certa. Mas um dia fizeram as pazes: juntaram-se e criaram a Sociedade União Alcaçovense.
Aviso, junto à lavandaria pública
Os docinhos da Mostra de Doçaria de Alcáçovas (8 de dezembro)
O almocinho, pós caminhada pela vila (Paço Real)
Na Igreja Matriz São Salvador, chamam-me a atenção quatro leões em madeira que foram trazidos da Índia. Na verdade, dessas paragens vieram oito dessas estatuetas. As outras quatro estão no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
Alcáçovas, uma vila com história, dizem os seus habitantes.

Uma vila cheia de histórias, penso eu. 




segunda-feira, 18 de novembro de 2013

FANPAGE no Facebook

Amigas e amigos, criei uma FANPAGE no FB.
Endereço:

https://www.facebook.com/pveludo?ref=profile

Espero que curtam.
Beijos e abraços!

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

VIII Prêmio Escriba de Contos - Piracibaba - BRASIL

Participei do VIII Prêmio Escriba de Contos, organizado pela Secretaria Municipal de Ação Cultural de Piracibaba e pela Biblioteca Pública Municipal “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”.
O número de trabalhos inscritos foi de 1152, oriundos de lugares como Itália, Portugal, Moçambique, além de, é claro, do Brasil. Ganhei MENÇÃO HONROSA, e meu conto será publicado em uma Antologia que reunirá os vinte melhores.



Eis o conto selecionado:

LA VIDA ES SUEÑO
Estou sentado no aeroporto de Lisboa. Embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Estou sentado no aeroporto de Lisboa. Embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. Estou sentado no aeroporto de Lisboa. Embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. E expectativas. E sonhos. Estou sentado no aeroporto de Lisboa. Embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. E expectativas. E sonhos. Sonhos onde me vejo sentado no aeroporto de Lisboa. Onde embarcarei dentro de alguns minutos. Estou sentado no aeroporto de Lisboa. Embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. E expectativas. E sonhos. Sonhos onde me vejo sentado no aeroporto de Lisboa. Onde embarcarei dentro de alguns minutos. Leio La vida es sueño, no original, do dramaturgo e poeta espanhol Calderón de la Barca. No parágrafo que leio neste momento está escrito: “tudo na vida é sonho”. Estou sentado no aeroporto de Lisboa. Embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. E expectativas. E sonhos. Sonhos onde me vejo sentado no aeroporto de Lisboa. Onde embarcarei dentro de alguns minutos. Leio La vida es sueño, no original, do dramaturgo e poeta espanhol Calderón de la Barca. No parágrafo que leio neste momento está escrito: “tudo na vida é sonho”. Sonho que estou no aeroporto de Lisboa. Onde embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. E expectativas. E sonhos. Sonhos onde me vejo sentado no aeroporto de Lisboa. Onde embarcarei dentro de alguns minutos. Leio La vida es sueño, no original, do dramaturgo e poeta espanhol Calderón de la Barca. No parágrafo que leio neste momento está escrito: “tudo na vida é sonho”. Sonho que estou sentado no aeroporto de Lisboa. Onde embarcarei dentro de minutos para o Rio de Janeiro. Vou sozinho. Vou só com as minhas memórias. E expectativas. E sonhos... E sonhos… e sonhos…

domingo, 15 de setembro de 2013

La Giralda, Sevilla

Até aos sinos a construção é árabe
Reprodução da imagem do topo da Giralda (note-se a "vela"), à entrada da Catedral
A torre, dos sinos para cima é construção cristã. Até aos sinos é árabe. E quatro séculos separam as duas construções. Enquanto subo a interminável escadaria, reparo que a par com os degraus existe uma rampa. Finalidade? Se eu suo subindo as escadas, o que dizer de um velho “muezin” que as tinhas que subir cinco vezes ao dia, para chamar os fiéis às orações? Os sábios árabes construíram então rampas para, a cavalo, subirem até ao topo.
Olho em volta, não vejo cavalo algum. Muito menos elevador.
Prossigo, arfando, escadas acima.

Giralda, pois a estátua que está no topo da torre, gira (daí o nome: Giralda). Há uma reprodução dessa imagem no solo, à entrada da Catedral, bem perto da torre. Nela se pode ver uma espécie de “vela” presa à estátua que, com o vento, a faz girar.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

CARTAS DE ANA E PEDRO (primeiras 8 de 17 cartas)

Ana e Pedro separam-se por um período inicialmente previsto para ser curto. Enquanto Ana viaja por diversos lugares, remetendo-lhe breves relatos de suas leituras de mundo, Pedro permanece no Rio de Janeiro.
   Cartas de Ana e Pedro é parte da correspondência que eles trocaram durante esse tempo.


CARTAS DE ANA E PEDRO

1.   Entre Rio e Belo Horizonte, julho de 2004
     Pedro querido:
     Há poucas horas tentava descortinar imagens em teu rosto, para mais tarde as folhear no álbum de retratos de meu peito. Agora, meu olhar se espraia pelas montanhas que a cada curva se desdobram e se oferecem nuas. E penso em minhas dobras (tão pouco nuas para ti) que escondo à tua leitura e, mais do que isso, nos motivos porque as escondo de mim mesma.
     E vi uma árvore que falava, um homem imóvel como uma rocha, e uma pedra cujas raízes entravam tão fundo na terra que me escorreram lágrimas pelo rosto.
     Pela janela do ônibus tento uma foto mas meu olhar possui contornos que a incompetente objetiva não alcança, e me frustro.
     Saudades de tuas mãos acordando meu corpo.
                                          Ana
PS: Não esquece minhas plantas!


2.   Rio, julho de 2004
     Querida Ana,
     Grafo para ti, palavras que no papel se me aparentam gastas. Inconformado, torço-as, troco-as, risco-as. Deformadas, elas mutilam meus sentimentos. Jogo o papel fora e encaro nova folha, em branco. Tão branca e tão cheia de porções de mim, e de outros, e de outros, e de outros... (uma folha de papel só está em branco se não se olha para ela, concluo).
     Por que não consigo reter, ainda que por um instante, minha saudade numa simples folha?
     Provisoriamente desisto e traço ao acaso riscos no papel, deixando que meu olhar passeie vidrado na ponta da caneta, enquanto desejos, domesticados pelos teus seios, me tomam de assalto.
     Mais tarde na noite, meus pensamentos se aninham nas dobras mornas de teu corpo: o escuro torna tudo possível.
     Meus dias sem ti parecem atulhados de tempo.
                                          Pedro
PS: Tenho regado as plantas. Apressadamente, às vezes. Será que elas vão se ressentir?


3.   Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, agosto de 2004
      Pedro,
     Chapada, centro geodésico do continente. Uns dizem que a população do planeta, no terceiro milênio, só aqui sobreviverá. Outros, vem em procissões místicas e se quedam meditando. Outros ainda, afiançam que o denso nevoeiro que por vezes aqui baixa, são caminhos do céu na terra. Os mais simples, no entanto, chegam e caem de joelhos, orando: afirmam, não se sabe se ainda desta vez feito homem, descerá neste lugar um novo Deus.
     Sinto um vazio no estômago. Não sei se o meu coração ri ou chora. Mergulho na cachoeira e desfaço-me em gotas de água prateada.
     Tua carta invadiu meu dia, desacertou meu coração, me acendeu relâmpagos no baixo ventre que a água fria não extinguiu. Vontade de largar tudo, correr para ti e me incendiar em teus braços.
     Mil beijos.
                                          Ana


4.   Rio, agosto de 2004
     Ana querida,
     A saudade de ti me apareceu na forma de um outono duvidoso: um nublado refúgio de lembranças de ti, um reflexo menos nítido de meu olhar no espelho ao acordar, uma impressão  vaga de que meus desejos se alimentam de negativas, uma sensação doída de que a vida nem sempre é um abraço...
     Errei horas pela casa até, feito autômato, me sentar frente a esta folha e começar a te escrever.
     Agora, cercado de palavras, aprisionado por frases que eu mesmo esculpi, tento identificar o que de ti floresce em mim. Porém, a cada palavra que escrevo aumenta a vontade de sumir por uma brecha do texto e encontrar teus lábios, teus olhos brilhantes e teus cabelos molhados pelas águas da Chapada.
     Giro a caneta pelo papel tentando me desenhar, mas não me encontro. Ansioso, olho o relógio: a garganta de minha ampulheta é mais larga que a da ampulheta do mundo. Preciso começar.
     Beijos apressados.                                                                 
Pedro

5.   Rio Madeira (Amazonas), a bordo do B/M Orlandina, setembro de 2004
     Pedro muito querido,
     Da floresta vem um cheiro doce que me excita, e o verde à minha volta, de tão verde, faz-me crer que tudo vai ser sempre assim. Na margem do rio, uma criança caminha indiferente a tudo o que me encanta. Nem o boto na sua fugaz aparição lhe altera o andar. Mais adiante, parada em Humaitá. Pela semi destruída escada de acesso, e pisando o lodo que o rio, agora em tempo de seca, deixou à mostra, embarcam três enormes sacos de biscoitos, catorze galinhas, dois motores, oito mestiços com quatro crianças sendo uma de colo, quatro latões de margarina, dois sacos de farinha, um homem com a camisa limpa, calçado e com uma maleta preta na mão direita, um cachorro que me pareceu cego e um vendedor de pamonha (que voltou a sair).
     E a viagem continua...
     Sinto que cada caminho que percorro redimensiona todo o meu ser. E me pergunto: que outras possibilidades, que outras vidas, outros mundos haveria, e quem seria eu, se em vez de seguir o capricho, a intuição que me fez voltar para um lado, eu tivesse me voltado para outro?
     Sei, não tens, não temos respostas. Mas, divisar tais possibilidades, me faz sentir multiplicada.
     Desejos de ancorar meu corpo ao teu, e me deixar adormecer.
     Beijos.
                                          Ana


6.   Rio, setembro de 2004
     Ana,
     Quisera eu me multiplicar, percorrer todos os caminhos possíveis, errar e acertar tantas vezes quantas as necessárias, descobrir todas as minhas forças. No entanto, e sempre com uma ânsia impotente de inverter os sentidos, me pego muitas vezes fugindo de determinadas sendas em favor de outras, excessivamente sensatas. Atalhos que encurtam a vida, eu sei.
     Te vejo nas ruas, esquinas, acenos fugazes, não sei mais se tu mesma ou uma outra que inventei.
     Recorto o horizonte com o olhar. Há dias em que, dentro de mim, te transformas em ausência.
     Anseio pela tua volta.
     Um beijo.                                 
     Pedro
PS: Sinto que nossa separação reedita em mim dores de separações tão antigas...


7.   Qosqo, Peru, outubro de 2004
     Querido Pedro,
     Nem quinhentos anos de sol e vento, nem dois terremotos, nem a voracidade de Pizarro conseguiram apagar os traços da cultura Inca.
     Na magnífica catedral com motivos barrocos (lembranças de Castela sobre ruínas Incas), no quadro da última ceia, Cristo tem à sua disposição, sobre a mesa, as mais variadas frutas tropicais. Cá fora, crianças estendem as mãos enquanto as mães apregoam bugigangas.
     Pátios sevilhanos e varandas talhadas em madeira. As praças parecem ser insuficientes para tantos “libertadores”.
     Não sei se são as cores dos aguaios ou o ar rarefeito dos Andes, mas algo me faz sentir tonta.
     Daqui, seguirei para Vancouver. Cada pedaço de mundo que minha leitura alcança me impressiona diferente, e vai-se encaixando num gigantesco quebra-cabeça onde cada peça só está onde está e na forma em que se encontra, no momento em que a recorto. Sei que nunca vou colocar a última peça, pois o quebra-cabeça cresce à medida que eu cresço, e nos confundimos. No entanto, sinto que a cada dia aumentam as minhas possibilidades de, nele, eu me reconhecer.
     Saudades do teu cheiro e de me dissolver em teus abraços.
                                          Ana


8.   Rio, outubro de 2004   
     Ana,
     Minha vontade é de te abraçar, te agarrar, te aguardar (me agradando), te aguardar o máximo, um máximo às vezes tão mínimo.
     No entanto, tudo o que neste momento consigo, é tentar verter em palavras de papel este mistério que trago comigo e que nem bem sei o que é... que eu nem bem sei quem sou...
     Palavras que morrem à medida que são geradas. Silenciosas se interrogadas, elas não se explicam, não dizem mais nada do que elas mesmas. São só palavras de papel. Mortas! Imutáveis, apenas lhes resta que, aliadas ao tempo e ao espaço, o mutante leitor as ressuscite, diferentes, para que, diferente, o autor do primevo gesto (existirá esse gesto?), renasça.
     Creio ser esse o único consolo das palavras escritas.
     Me recomponho ao descobrir teus olhos doces entre as palavras e nas entrelinhas da tua carta.
     No pó da vidraça escrevo o teu nome e, através de ti, fico-me lendo o mundo, lá fora, tomar tuas formas.
Pedro
PS: As pétalas das rosas, caem. Alguém lhes avisa das estações?

CARTAS DE ANA E PEDRO (últimas 9 de 17 cartas)

    9.   Cathedral Groove (reserva florestal de pinheiros gigantes), Vancouver, novembro de 2004
     Meu Pedro:
     Sinto também, no que faço, a necessidade de que no outro, meu gesto continue... assim como tuas palavras de papel se prolongam dentro de mim.
     Na entrada da reserva florestal, um letreiro, em placa de alumínio coberta a plástico transparente, dizia: “Você está em frente aos seres vivos mais idosos da Terra - mais de 800 anos - Olhe bem para eles, antes que morram”. Manuscrito num pedaço de cartão, que alguém colocou entre o alumínio e o plástico, estava escrito: “Velhas árvores não morrem nunca. Elas simplesmente voltam à terra, para alimentar outras que nascem”.
     Segue a foto do pinheiro mais belo, fatia do eterno aprisionada em papel.
     Beijos.
                                          Ana
PS: Quanto às rosas, me disseram um dia, elas já nascem com as estações dentro delas.


10.  Rio de Janeiro, novembro de 2004
     Ana querida:
     A foto que mandaste, revolveu a manhã inteira dentro de mim: como em um tronco podemos ler a história do mundo desde o primeiro sopro... e como somos cegos em relação a essa possibilidade.
     Fecho meus olhos e momentos depois constato que sempre, em cada momento, somos cegos em relação a tantas coisas... Descubro também que quem eu vejo (ainda de olhos fechados) não sou mais eu, porque o me ver me faz ser outro, ou eu mesmo, justo por não ser mais eu! Não é verdade que apenas olhamos um rio quando em vez de água vemos o seu fluir?
     Mais tarde saio, e encaro a chuva cujas gotas trazem impressas lembranças de ti e, ao me molharem, me desembrulham em desejos de te ter. Caminho, e meus sonhos desenham outros passos adiante dos meus passos.
     Teu riso aparece com tal intensidade no meu que, por vezes, não sei se sou eu mesmo quem ri.
     Um beijo molhado.                                        
Pedro
    PS: Me assaltou hoje o pensamento de que talvez a escrita, para mim, seja apenas um vício, ou um desejo estéril de me sobreviver.


11.  Armona (sul de Portugal), dezembro de 2004
     Pedro,
     Mais do que me sobreviver, me pergunto se tudo o que faço existe porque eu existo, ou se apenas eu existo porque o faço.
     Sentada na orla da minúscula ilha, olho os reflexos do sol nascente no mar, e por um instante sou tomada de loucura (ou profunda lucidez): lentamente levanto-me, dispo-me e caminho nua pelos reflexos, ao encontro do sol.
     Também em mim, a chuva, vez por outra, costura anseios a lembranças de ti, e faz meus passos se desacertarem.
     Voo depois de amanhã para a Índia (ainda, tentando seguir os reflexos do sol nascente).    
     Um beijo agarrado em teu corpo.
                                          Ana
PS: Notícia importante sobre pássaros: nas torres da igreja de Alcácer do Sal, as cegonhas, indiferentes à zoeira dos sinos, dão o calor dos seus corpos às imberbes crias.


12.  Rio, janeiro de 2005
     Ana muito querida,
     À ansiedade de querer saber quem sou, onde estou, porque as aves voam e os peixes nadam, a essa ansiedade se somou este espaço vago que tomou conta de mim, que é como um caminhar em direção a nada: minhas mãos carecem de teus dedos, meus ouvidos de tua voz, meu peito de teu peito, meus lábios de desenhos de teus lábios.
     E me sinto cansado. Cansado de me ler, de me escrever. Num momento, sou moribundo de mim mesmo, para logo a seguir, minha ansiedade alertar todo o meu ser: como viver sem a tênue exaltação que é o encontro com um pedaço encoberto de mim?
     Olho em volta: silêncio. No borbulhar dos acasos, meus sentidos correm em busca da pérola azul, para a dissolver em meu sangue.
     Tento imaginar como será trocar olhares com a Ana que retornará, mas só me vem imagens da que partiu.
     À noite, procuro derramar sono sobre os meus pensamentos.
     Beijos, do tamanho de tua boca.
Pedro
PS: Não sonho mais contigo. Meus sonhos cansaram-se de não serem reais.


13.  Goa (Índia), fevereiro de 2005
     Querido Pedro,
     De uma parte incerta de mim me vem um estremecimento que me toma de assalto por inteira. Como se tuas frases injetassem em minhas entranhas a pérola que persegues.
     Te escrevo de uma praça em Velha Goa. Um gentil indiano tenta me fazer perceber o hinduísmo: “É tudo, de zero a infinito, ao mesmo tempo em todas as direções, entende?”, me diz ele, com voz pausada. Eu faço que sim, com a cabeça, e olho em volta: à nossa frente, um templo hindu, à esquerda, a Basílica de Bom Jesus (onde estão os restos mortais de São Francisco Xavier), à direita, a Sé Catedral dos Dominicanos e mais além as ruínas de uma mesquita muçulmana. Delicado, ele pergunta-me qual a minha religião e eu, receando ferir a sua suscetibilidade, finjo não compreender. Porém, ele insiste, e acabo respondendo que não tenho nenhuma. Estranhamente, ele sorri e, sempre gentil, sentencia: “Ah, então é como eu. Nenhuma, nada, é o mesmo que tudo, ao mesmo tempo em todas as direções, de zero a infinito”.
     Feliz por te sentir vivo, ainda que cansado, sonhador, porém acordado, pleno de desejos.
     Mando-te a foto de um menino nu: um de tantos que a imaginação gera em mim e a realidade aborta. Sonhos adiados que me afadigam.
     Beijos mil.
                                          Ana


14.  Rio, março de 2005
     Querida Ana:
     Teu menino nu, olhar teu ampliado, me fez nascer desejos de renascer em ti. Olho-a como se fosse um outro eu brotado de teu eu. Fecho meus braços e aperto-a em meu peito. Queria-te também, abraçar por inteiro, ter-te, proteger-te de... de não sei o quê.
     Despovoado de teu toque, descubro como é difícil não te ter, dividindo o dia. Me vejo emendando gestos, enquanto meus passos aprendem as distâncias a sós. Com sobressalto constato que a saudade alagou minhas horas e me pergunto sobre os ares que respiras, os fogos que te consomem e as águas em que os resfrias.
     Minhas palavras em voz alta se fundem ao silêncio e a teus movimentos deixados no espaço, e desabam sobre mim.
     Meu coração está cheio de retratos teus.
     Os beijos que trocamos começam a cicatrizar em meus lábios. Como é mesmo te abraçar?                                   
Pedro
PS: Não te pergunto quando voltas. Receio conhecer a resposta.


15.  Pahar Ganj, Nova Delhi, maio de 2005
     Pedro querido,
     Passeio devagar entre saris, tapetes, panos coloridos e o vozerio dos vendedores tentando aliciar-me num inglês incompreensível, misturados com buzinas estridentes de riquixás e bicicletas, acordes de cítara, vacas e hippies ressuscitados dos anos sessenta. Um velho esquálido que se confunde com o chão onde parece estar de cócoras há mais de mil anos, estende-me a mão aberta onde deposito uma rupia. Evitando as poças de esgoto, os sorrisos dos vendedores e as ofertas para tomar chá, tento proteger-me da nuvem de poeira que tudo parece dominar e dos 44º de temperatura.
     Inebriada com o que me rodeia, penso que de algum modo, um pedaço meu sempre esteve aqui. Me vem então um desejo imenso de continuar me descobrindo. Por isso... (vasculhei meu peito o dia todo, buscando uma maneira mais suave de te dizer, mas não encontrei) não sei quando volto.
     Te amo.
                                          Ana
PS: O que é voltar?




16.  Rio, maio de 2005
     Ana,
     Tudo imprimia em mim a sensação de que não voltarias. Só eu mesmo tentava resistir a essa idéia. Agora não sei como abrandar o sobressalto que se apossou de meu peito e atravessar a aridez que permeia minhas horas.
     Tento me reconfortar com banalidades, como a de que estamos sempre sós. Estamos sempre sós. Sempre sós. Sós.
     Tento, mas não consigo.
     De noite, revolves os meus sonhos, inquietando o meu dormir. Depois, manhã cedo, quando tudo dorme, me fazes continuar sonhando, embora acordado.
     Apenas porque a vida é curta, um pouco de mim será eternamente teu.
     Não sei mais como lidar com meus desejos de ti          
Pedro
     PS: Guardei as pétalas das rosas: elas insistem em conservar o teu cheiro.

(...)

17. Rio, março de 2006
     Ana querida,
     Cerca de dez meses depois de minha última carta, volto a sentar-me para te escrever.
     Neste tempo todo, descobri que a pérola azul que procurava, estava já dissolvida em meu sangue e que, me desenhar em palavras de papel, na verdade é garimpar pérolas multicoloridas em meus fluídos.
     Continuo sonhando contigo. Sinto no entanto que meus sonhos percorrem contornos de um dos universos possíveis.
     No álbum de meu peito, teus retratos adquiriram tonalidades claras e teu nome escrito no pó da vidraça é agora o recorte de algo tão infinito e indecifrável quanto o que ele representa.
     Continuo também não sabendo muito bem quem sou e por qual misterioso milagre me encontro aqui. Tampouco para onde vou, onde vamos...
     Teu riso deixou marcas indeléveis em meu caminhar e, se existisse a palavra obrigado, eu te diria obrigado, por isso. Te amo mais porque me amo mais. Acho que precisei me perder em ti, para me encontrar em mim.
     Um beijo para ti, sejas tu quem fores.                                   
Pedro
PS: No vaso grande da área, onde pensei só existirem pequenos galhos secos, um botão de rosa ameaça florir.



terça-feira, 16 de julho de 2013

Mais um comentário a respeito de: Da Guerra dos Mares e das Areias



Da Guerra dos Mares e das Areias


capa digital da guerra
Eu tenho um fascínio surpreendente pelo mar e por tudo que o envolve. E sempre foi assim. Sinto-me em casa, perto de Deus, da natureza, das coisas simples e, portanto, grandiosas. Passei para o meu filho esse amor e hoje tudo que trata do assunto, nos traz interesse. Quando tive o contato físico com o livro Da Guerra dos Mares e das Areias – Fábula sobre as marés, não pude deixar de conter a minha curiosidade – como uma criança ao abrir uma caixa de presentes – e logo compartilhei a alegria com o meu filho e agucei nele a vontade de lermos, juntos, a obra. Em um primeiro instante, o livro – que também pode ser encontrado no link Livraria Alternativa do Leitura Infantil – já nos pareceu bastante atraente, principalmente pelas belas e sutis ilustrações em xilogravura de Murilo Silva, que aliás, soube – e muito – retratar a fábula poética do autor português Pedro Veludo. Lindos e coloridos espirais se multiplicam e criam uma sensação de movimento e tridimensionalidade – e isso se dá em todas as páginas do livro. Sem dúvida, as ilustrações tiveram um papel importante nessa história, em que um complementa o outro de forma contundente e autêntica. O casamento não poderia ter sido melhor. Adorei principalmente as cores e as junções e acredito mesmo que as crianças que são muito sensitivas vão adorar ver todo esse movimento. E, nesse vai e vem de ondas, cores e movimentos, a história trata de um desentendimentozinho secular entre mares e areias porque um quer ocupar mais lugar na Terra que o outro. Mas, nessa confusão toda, existe um búzio cor-de-rosa que resolve pôr fim a essa luta sem ganhadores e perdedores. E como ele fez isso? Elegeu a lua como uma espécie de delimitadora de espaços. Ora a maré avançaria com todos os seus sons; ora ela recuaria e deixaria a areia silenciar. E o búzio, muito contente por ter dado um jeito nessa confusão, disse que iria acolher dentro de si os sons de todos os mares. E você aí, já aproximou o seu ouvido a uma concha? Já se perguntou o que o mar está fazendo ali dentro? Como é que tanta água cabe em um espaço tão pequeno? Será mágica? Será que a fábula poética de Pedro Veludo trará a resposta? Então, pais e mães, o que estão esperando? Experimentem descobrir esse enigma com os seus pequenos. Eles, com certeza, irão adorar! Experiência própria. Preço sugerido R$ 38,50. Informações http://www.editoraquatrocantos.com.br

sábado, 6 de julho de 2013

CONCURSO DE MICROCONTOS

Participei do 3° Concurso de Microcontos de Humor, de Piracicaba, São Paulo.
O regulamento exigia que os microcontos tivessem no máximo 140 caracteres, incluídos o título e os espaços.
NÃO FUI CLASSIFICADO, mas aqui vão os dois contos que enviei:




OBITUÁRIO
O jornal destaca, no obituário, a missa de 7º dia da minha morte. Espeto-me uma agulha. Da minha foto, no jornal, respinga sangue.



SONHO
Adormeceu e sonhou que singrava os sete mares abraçado a uma bela sereia. Acordou com hálito de peixe e os lençóis cheios de escamas.


CRÍTICA NA "FOLHA DE SÃO PAULO"

Foi publicado hoje na "Folha de São Paulo", um dos mais importantes veículos de comunicação da América do Sul, um comentário a meu livro 
"Da Guerra dos Mares e das Areias".
Aqui vai, com o respectivo link:


Autor cria versão poética para explicar fenômeno das marés
LAURA MATTOS
DE SÃO PAULO
Alguém sabe por que ora a maré está baixinha e sobra aquele montão de areia na praia e ora o mar está quase chegando à calçada?
O escritor Pedro Veludo conta nesse livro sua versão poética para esse fenômeno.

As ilustrações de Murilo Silva, inspiradas na técnica de xilogravura, ajudam o leitor a navegar pela história.
Não vamos estragar aqui a surpresa, apenas contar que um dos responsáveis por isso é um búzio cor-de-rosa.
"DA GUERRA DOS MARES E DAS AREAIS"
AUTOR Pedro Veludo
EDITORA Quatro Cantos


terça-feira, 18 de junho de 2013

CRÍTICA A "DA GUERRA DOS MARES E DAS AREIAS"

Têm saído na mídia vários comentários e resenhas (felizmente até agora todos favoráveis...) sobre meu mais recente livro "Da Guerra dos mares e das Areias". Aqui vai um deles, de Stela Loducca:
14 de junho de 2013

A Guerra dos Mares e das Areias


Li hoje o livro de um escritor que eu ainda não conhecia, o português Pedro Veludo.
Da Guerra dos Mares e das Areias, ilustrado por Murilo SIlva, mexe com o imaginário da gente de uma forma muito poética.
A narrativa conta como as coisas foram se encaixando lá no comecinho do universo, como foram se formando no meio daquele rebuliço todo, cada qual tentando encontrar o seu caminho.
Montanhas que que não sabiam se ficavam juntas ou separadas, lagos que não sabiam se seriam de água doce ou salgada e assim a natureza ia tentando se ajeitar em harmonia.
Com exceção dos mares e das areias que entraram em pé de guerra numa disputa sem fim.
Os mares achavam as areias silenciosas de mais e, estas por sua vez, achavam os mares muito barulhentos. E o imbróglio segue até aparecer o búzio rosado para dar cabo da confusão.
Não vale aqui revelar o final dessa história.
Só adianto que Pedro Veludo me surpreendeu com tamanha poesia.

http://blog.opequenoleitor.com.br/livros/a-guerra-dos-mares-e-das-areias/

quarta-feira, 22 de maio de 2013

DA GUERRA DOS MARES E DAS AREIAS

Foi lançado em São Paulo, pela Editora Quatro Cantos, o livro DA GUERRA DOS MARES E DAS AREIAS, meu mais recente título.
Abaixo o texto de apresentação que retirei do site da editora:

Em Da Guerra dos Mares e das Areias 
Pedro Veludo conta uma fábula encantadora sobre o mecanismo das marés nos primórdios da Terra. O eterno ir e vir das ondas sobre as areias aparece como um conflito, uma batalha entre os personagens. Mas o búzio rosado propõe uma conciliação entre os barulhentos mares e as silenciosas areias. A pequena concha também sugere a Lua como mediadora do acordo de paz, ficando responsável pela regulação das marés.

ESTA HISTÓRIA COMEÇA HÁ MUITO TEMPO, HÁ BILHÕES DE ANOS. COMEÇA ANTES MESMO DE AS ÁGUAS FORMAREM OS RIOS E OS MARES E BEM ANTES DE AS MONTANHAS E AS PRAIAS SEREM COMO SÃO AGORA. ELA CONTA COMO TUDO FOI DEVAGARZINHO TOMANDO O SEU LUGAR. MAS SE VOCÊ POR ACASO JÁ APROXIMOU AO OUVIDO UMA CONCHA EM CARACOL, DEVE TER SE PERGUNTADO: 
— SE TUDO ESTÁ NO SEU DEVIDO LUGAR, O QUE O MAR ESTÁ FAZENDO ALI DENTRO?

sexta-feira, 17 de maio de 2013

ENTREVISTA NO BLOG LEITURA INFANTIL (Marília Borralho)


Saiu hoje uma entrevista minha para o Blog LEITURA INFANTIL,
Abaixo o link:

http://leiturainfantil.wordpress.com/2013/05/16/bruno-e-amanda-historias-misturadas/


Alguém já imaginou ler um livro que uma história vira duas e dessas duas surge uma nova história? Bruno e Amanda: histórias misturadas, de Pedro Veludo, é assim. Um sonho-conto-prosa como o próprio autor classifica, e que se torna uma ótima leitura para crianças, jovens e adultos, na medida em que o leitor viaja entre o lúdico e a realidade, num contexto poético bem fácil de se entender. E esse autor que é português, mas se mudou aos seis anos para Moçambique e lá se formou em engenharia de telecomunicações, fez também teatro, música, veio para o Brasil e enfim tornou-se escritor de livros infanto-juvenis, como é o caso de Bruno e Amanda, e com Viagens de Raoni foi premiado em 1990 pela FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, na categoria criança. Além disso coleciona algumas crônicas e um romance, além de textos para teatro de bonecos, premiados pelo Inacen – Instituto Nacional de Artes Cênicas, peças de teatro montadas no Brasil, México, Portugal e EUA, e roteiros para jogos educativos. Ufa!, tá bom para vocês? Realmente a ideia de escrever um livro com muitas histórias não poderia ser diferente. Até porque “Bruno e Amanda” também pode ser a história do próprio autor ou a nossa própria história e como o título define: todas bem misturadas. E de tão intrigante que foi ler Bruno e Amanda, o Leitura Infantilresolveu fazer algo também diferente: levar as pessoas que nos acompanham uma entrevista exclusiva com Pedro Veludo. Vale lembrar que o livro Bruno e Amanda leva o selo FSC – Forest Stewardship Council – uma garantia de que o papel utilizado em sua fabricação vem de fontes ambientalmente responsáveis. Aliás todos os livros da Editora Quatro Cantos têm o selo FSC. Uma bela iniciativa e um exemplo a ser seguido por outras editoras. Preço sugerido R$ 35,00. Informações www.editoraquatrocantos.com.br Boa leitura!
L.I: Como aconteceu essa mudança tão grande em sua vida: passar de engenheiro para escritor? Qual foi o momento definitivo em que disse para você mesmo: vou ser escritor…
Pedro Veludo: A mudança em minha vida aconteceu aos poucos. Quando fazia UNI-RIO (Faculdade de Teatro, no Rio de Janeiro), comecei a escrever peças de teatro para um grupo que formamos na faculdade. Um dia, a dona de uma editora carioca que assistia a uma de minhas peças, no final da representação, me perguntou se eu transformaria aquela peça em um conto infantil. Foi o início. O momento definitivo foi o pedido de demissão de meu emprego como engenheiro. Na época estava sendo promovido… foi difícil. Mas foi definitivo.
L.I: Em um primeiro momento ao ler Bruno e Amanda, tive a impressão de que o Bruno está em você e você no Bruno. Estou certa?
Pedro Veludo: Não é só o Bruno que está  em mim. Sem exceção, isso se aplica a todos os meus personagens. Estão todos em mim e eu estou em todos eles. Eles são pedaços de mim, facetas ocultas, facetas não tão ocultas, porções de minha carne, de meu sentir, meus desejos, minhas dificuldades, medos, anseios, receios, tudo, ou quase tudo…
L.I: Realmente nunca havia imaginado ler uma história que de repente se transforma em duas e depois em uma só, mas que cada uma tem sua própria identidade, sem se misturar definitivamente. Abriu um leque diferente para outras percepções literárias. Um modo particular e muito interessante de se escrever um livro e consequentemente de se ler também. Nesse contexto, você quis provocar algo mesmo diferente no leitor?
Pedro Veludo: Não, não quis provocar nada no leitor. Apenas me deu prazer escrever assim, ponderar sobre algumas dificuldades da escrita que são minhas, divertir-me, brincar com o leitor. A escrita para mim é um modo de estar. Não escrevo para ninguém, a não ser para mim mesmo. Escrevo porque preciso escrever. Claro que, ao permitir a edição de algo que escrevi, pretendo partilhar meu sentir com quem me lerá. Mas não escrevo para ninguém mesmo.
L.I: Embora o livro seja infanto-juvenil, li para o meu filho de cinco anos e percebi que ele se interessou pela história. E deu até um final para ela e disse: “…eu acho, mamãe, que a Amanda só vai encontrar o Bruno quando sair e entrar no livro dele… mas o dicionário voltou!, e …..xiiiii, e agora? Como ela vai encontrar o Bruno?” Embora pareça que a Amanda não sai da sua história, nem por um instante, ela poderia ter estado mesmo fora dela em algum momento?
Pedro Veludo: Sim, Amanda poderia ter estado fora de sua história, bem como outros personagens de ambos os livros de Bruno e Amanda. Essa história exigiu uma construção quase cirúrgica. Posso dizer sem medo de errar que foi o conto infantojuvenil que me deu mais trabalho. Havia que interromper ambas histórias, em um ponto onde fosse possível recomeçar uma nova. Nesse aspecto, fez-se desnecessário que Amanda saísse de sua história.
L.I: A história de Bruno e Amanda é também um pouco da história de cada um de nós, na medida em que pode haver um recomeço, uma nova história que se mistura, às vezes, com outra?
Pedro Veludo: Acho que Bruno e Amanda tem muito, mas muito mesmo das histórias de todos nós. De todas as histórias. A toda hora a vida muda. A mudança está sempre acontecendo (está escrito lá, no livro, na bolsa de seda que Bruno dá de presente a Amanda). Se não a percebemos é porque nossos sentidos são deficitários… E as histórias das nossas vidas estão sempre se misturando. A toda a hora.
L.I: Qual o significado do dicionário, que fica entre Bruno e Amanda? Ele está como uma espécie de “pedra no sapato” ou a “cruz de cada um” e que em determinados momentos deixa de apertar os nossos pés ou pesar em nossas costas, embora nem sempre estamos perceptíveis a isso?
Pedro Veludo: A cruz de cada um é, a meu ver, o que nos dá força para viver e sermos felizes. Sem “cruzes” a vida seria um tédio e, sendo tédio, não seria vida. Viver com tédio não é viver. O dicionário poderá representar o muro, os muros que todos temos que pular e sem os quais nada teria significado, nada seria interessante, nada valeria a pena. Pular muros, encarar os dicionários, é viver.
L.I: Bruno é um texto poético, cheio de sonhos. Amanda é uma espécie de conto. E os dois quando se encontram formam uma prosa?
Pedro Veludo: Gostaria que ambos os livros de Bruno e Amanda fossem lidos e sentidos pelos leitores como sonhos-contos-prosas.
L.I: A Amanda só volta a sorrir após encontrar, digamos assim, o seu príncipe encantado. Você acredita que a felicidade está aí: no encontro de um amor verdadeiro? Ou como diria o poeta Vinícius de Moraes: “Amar, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.”
Pedro Veludo: Acho que a felicidade é  uma forma de estar na vida. Uma maneira de olhar o mundo. Para essa forma, para essa maneira, contribuem, a meu ver, preponderantemente o amor, a solidariedade, o carinho, a amizade, o trabalho…
L.I: E voltando a Vinícius de Moraes porque vi também em seu livro um pouco dele, principalmente nas últimas páginas, onde o leitor fica muito à vontade para pensar e construir o final que lhe achar mais conveniente. E emboraBruno e Amanda caminhem juntos de mãos dadas por uma rua também sem um fim, a ideia é “que não seja imortal posto que é chama mas que seja infinito enquanto dure”?
Pedro Veludo: Sim. Sempre: que seja infinito enquanto dure. Você mencionou justamente a poesia de Vinícius que mais me toca. Propor ao leitor que escolha o final visa dar-lhe oportunidade de sentir e pensar mais.
L.I: Os seus filhos ajudam você a construir os personagens para os livros que escreve? Dão sugestões ou você procura manter um certo mistério até a obra ser publicada?
Pedro Veludo: Os meus filhos ajudam na construção de personagens, do mesmo modo que as pessoas que me rodeiam, os eventos que se desenrolam à minha volta e o que se vai desdobrando dentro de mim. No que se refere a ler algo que escrevo: nunca ninguém lê seja o que for de uma história minha antes dela estar pronta (ou praticamente pronta). Mas, respondendo à tua pergunta de modo mais objetivo, meus filhos quando eram mais jovens, não ajudavam… prejudicavam e muito, me solicitando o tempo todo… rs.
L.I: Como você classifica o momento em que as literaturas infantil e infanto-juvenil vivem no Brasil? Porque eu percebo muitos autores escrevendo para esse universo, muitos livros, embora o incentivo à leitura no país venha mais das escolas do que propriamente dos pais e das mães.
Pedro Veludo: Acho que vivemos um boom! Há sim muitos autores, muitos livros sendo editados. E creio que isso seja muito bom. Permite maior escolha, maior seleção. Não estou é seguro de que o maior estímulo à leitura venha das escolas. Tampouco dos pais. Isto, em geral. Acredito que não há estímulo proveniente de parte alguma. Visito muitos colégios, que adotam meus livros e constato isso. Não há estímulo à leitura. Claro que há honrosas exceções.
L.I: O livro Bruno e Amanda é feito em papel produzido por fontes responsáveis. A ideia de fabricá-lo dessa maneira foi sua, da Editora Quatro Cantos ou foi uma parceria?
Pedro Veludo: A ideia partiu da editora, mas evidentemente eu endosso. Em 1992 eu mesmo editei um livro elaborado com papel reciclado: “A Fábrica de Pipas”. Creio ter sido, no Brasil, uma iniciativa pioneira, pois na época não se falava muito em reciclagem.