sábado, 27 de dezembro de 2008

BREVÍSSIMO DIÁRIO DE BORDO(de navio, entre Lisboa e o Rio de Janeiro)Dia 2 Dez. 2008: Descendo o Tejo

Deixo de ouvir as gaivotas, as palavras enoveladas na garganta saem-me pelos olhos, o navio desce o rio, as luzes de Lisboa apagam-se. Meu coração sobressalta-se ao dar-se de repente conta que me afasto de pessoas queridas.

Dia 3 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico

O balanço das ondas dá-me nós no estômago.

Dia 4 Dez. 2008: Funchal


Primeira escala, Funchal. Presépio armado o ano todo. Subida de teleférico ao topo da ilha. Descida pelas trilhas ao longo das levadas, sem muita certeza de chegar a tempo de embarcar...

Dia 5 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico

O mar é um deserto molhado.

Dia 6 Dez. 2008: Ilhas Canárias

Segunda escala: St. Cruz de Tenerife. Nomes de personalidades ligadas às artes estão pendurados nas copas das árvores. Em “Las Teresitas” a praia foi feita com areia trazida do Saara. Comemos chopitos fritos com uma bela Dorada, a cerveja local. Grabados de Goya no Espacio Cultural CajaCanarias. Já os tinha visto no CCBB, no Rio. Nunca imaginei revê-los aqui.

Dia 7 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico



Maio, a gata da Paula, é o ser mais conhecido a bordo, graças à Rô que conta as aventuras dela a quem se aproxima. E não adianta o incauto passageiro bocejar ou olhar para os lados: tem que escutar todas as peripécias da bichana.
Desforro-me dos dias de enjoo e “caio” em cima do salmão defumado. Tento compensar o acréscimo de calorias na parede de escalada.
O mar parece mais infinito hoje, ou eu mais pequeno ainda.

Dia 8 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico



Caminho no circuito pedestre do deque 10. Ao longe, a silhueta cinza de algumas ilhas do arquipélago de Cabo Verde. Ao perto, barrigas imensas estiradas ao sol, ressonam.
Entre ambos, um mar que me parece infinito.

Dia 9 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico

Começa a ser possível coordenar a atividade estomacal com a oferta de comida a bordo. Informam-me que as sobras dos alimentos são trituradas e jogadas ao mar, para que os peixes as comam. Fico pensando nas habilidades que a nova geração de peixes apresentará, ingerindo bacon, ovos estrelados, salsichas e hamburgueres...

Dia 10 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico


As gaivotas apareceram. Mais esguias, silenciosas e ágeis. Rodeiam o navio em mergulhos acrobáticos. O deserto é habitado.

Dia 11 Dez. 2008: Recife


O navio atraca em Recife. Pegamos um ônibus e fomos à cidade das sete colinas. Não a mais famosa, nem a outra. Em Olinda, partido que não tivesse eira ou beira, não servia. Teria que ter tribeira, nos informa o simpático José Carlos, o guia, enquanto subimos e descemos ladeiras.
Aqui, em outros tempos, a correspondência era entregue pela cor das fachadas das casas, pois não existiam números nas portas. No alto da íngreme ladeira da Misericórdia fotografo o casario colonial, o verde contrastante e o mar como pano de cenário ao fundo. Descemos a mesma ladeira que, para baixo, troca de nome: deixa de se chamar Misericórdia e passa a ser Quebra Bunda.

Dia 12 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico

Nada de relevante a mencionar a não ser que as gaivotas desapareceram de novo e que não me conformo com a geografia, ou com o comprimento de meu abraço: queria poder alcançar todos os que amo.

Dia 13 Dez. 2008: Salvador


Escala em Salvador. Vistas do mar, as cidades são cartões postais. Vê-se a cor, o brilho, a fachada. O resto tem que ser vivenciado. Por isso as cidades que conhecemos apenas pelos cartões postais são sempre, e só, belas.
Além das visitas da praxe fomos ver Papau. Fomos recebidos com um vatapá e muita alegria.

Dia 14 Dez. 2008: Cruzando o Atlântico

Chove torrencialmente. O ar virou água. Me pergunto como o comandante do navio sabe em que águas estamos. E... para onde irão as gaivotas?

Dia 15 Dez. 2008: Rio de Janeiro


Entre nuvens espessas e muita chuva surge o Rio. Cheguei à minha cidade, cheguei a casa. Se é que é possível ter-se uma cidade ou uma casa.