sexta-feira, 22 de março de 2013

SÉTIMA VIRTUDE: TEMPERANÇA


Vila Viçosa, Portugal. Paço Ducal, Casa de Bragança

Visitamos mais de trinta salas e, segundo o simpático guia, não adentramos nem na quarta parte das salas do paço.
Terreiro do Paço (dos Duques de Bragança); estátua equestre de Dom João IV
Na “Sala das virtudes” lá estão representadas as sete virtudes. Porém, como o teto é octogonal, o ilustrador “inventou” uma oitava virtude, para preencher o incômodo espaço vazio que aquela porção de teto lhe incutia: “A Sabedoria”, assim lhe chamou. E desenhou uma mulher com adereços alusivos.
Uma dúzia de salas adiante, chegamos aos aposentos onde dormiam os duques. Chama-me a atenção o reduzido comprimento dos leitos. Explica o guia que nossos reais antepassados eram acometidos de uma superstição, por isso dormiam apenas encostados e não deitados nas camas. A superstição? A de que poderiam morrer se se deitassem. E… morriam mesmo! Ao se deitarem de barriga cheia, empanturrados de comezainas e banquetes, não raro morriam de indigestão.
Mais tarde, na pousada, após uma orgia de doces conventuais, coloco as almofadas em posição conveniente e durmo recostado.

sábado, 9 de março de 2013

RECEITA PARA SER UM TURISTA IMPORTANTE

Segue a receita para se ser um turista importante (que não lhe "assente a carapuça", leitor)


O turista importante pode ser homem ou mulher, ou até mesmo criança. Não importa sexo ou idade. O que faz um turista ser importante, são suas atitudes.
O turista importante não se hospeda em casa de amigos ou simples pousadas, onde o contato com residentes tangencie a informalidade. Ele fica em hotéis de luxo, com um conforto mínimo, em tudo semelhante ao de sua própria residência: tapetes felpudos no chão e amplos sofás. Nesses hotéis não é preciso conversar com ninguém local. Para que as necessidades sejam satisfeitas, basta encomendar ou ordenar o que se precisa, por telefone, sem mais problemas ou intimidades.
O turista importante exige sempre um apartamento com ar refrigerado. Nada de janelas abertas, pois nunca se sabe o que pode vir junto com o ar fresco.
O turista importante não se arrisca a provar a cerveja local ou o destilado produzido no país que visita. Para ele, o whisky a que se acostumou, é o aperitivo que o satisfaz.
O turista importante tampouco come a comida local, pois não pode passar sem um bife mal passado, o arroz no ponto e as batatas fritas bem sequinhas.
O turista importante não viaja nunca nos transportes públicos dos locais que visita, pois não há nada que chegue a um bom taxi com ar refrigerado e vidros fumé.
O turista importante não se arrisca a perder tempo assistindo a manifestações culturais locais, como a dança ou a música, a menos que sejam organizadas por alguma empresa de turismo credenciada (credenciada no país dele), e caso não haja nenhum jogo de futebol importante, a ser transmitido pela TV via satélite do seu hotel.
O turista importante sempre compra lembranças para levar para casa, muitas vezes ícones de lugares que ele não teve disposição para visitar, mas que estão disponíveis nas vitrinas, atendidas por funcionárias muito atenciosas, das lojas situadas no térreo do hotel onde ele está hospedado. Aliás uma das características de determinados turistas importantes é visitar outro país como se esse país, todo ele, fosse uma espécie de supermercado gigante. E voltam para casa descrevendo o lugar que visitaram, como se ele fosse uma sucessão de vitrinas, com utensílios e coisas à venda.
O turista importante bate fotos e filma os locais de interesse turístico. Os filmes são feitos de dentro de coletivos fretados pelo hotel ou em mirantes conhecidos, seguros, guardados, vigiados, quase tranquilos, quase selados. As fotos que o turista importante bate, são como devem ser: prédios, monumentos, praças, obeliscos e paisagens, que serão tão mais interessantes quanto mais parecidas forem as fotos, com os postais que retratam esses mesmos prédios, monumentos, praças, obeliscos e paisagens. Afinal, como provar, no regresso a casa, que ele visitou esses locais?
O turista importante tem que ter sempre o celular funcionando, pois ele precisa o tempo todo estar conetado com o lugar de onde vem, não vá se conetar por engano, com o país que visita.
O turista importante, a não ser com a indispensável orientação de um guia que lhe aponte o que é importante ser visto, raramente sai a pé pelas ruas e praças dos locais que visita. Além de não ser de bom tom, não seria seguro, pois encontraria pessoas do local com as quais se relacionaria, e poderiam ocorrer imprevistos.
Aliás, imprevistos são eventos que nenhum turista importante quer ter. Os únicos toleráveis poderão ser o bife do jantar mais passado do que deveria, ou a água do banho não estar suficientemente quente.
Finalmente o turista importante regressa a casa com a visão que de fato interessa ter, a visão padrão dos locais que visitou, em tudo semelhante à visão que outros turistas importantes que o precederam nesses locais ficaram, e à da que turistas importantes que virão depois dele, terão.
Nem sempre é fácil ser um turista importante. Afinal, muitos dos locais visitados têm normas, hábitos e comportamentos no mínimo diferentes, por vezes estranhos. E é difícil no curto tempo de uma visita impor aos locais, os hábitos e comportamento do lugar de onde se vem. Mas, vale a pena tentar...

MACEIÓ


Maceió, Alagoas, Brasil

No check-in do voo que me levará a Maceió, apresento, não sem um certo constrangimento, um pedaço de papel, onde havia escrito à mão, o número de meu e-ticket. A moça olha o papel, vira-o de um lado e do outro, me olha, volta a olhar o papel e… aceita meu rabisco.
Já em Maceió, no aeroporto Zumbi dos Palmares penso, olhando as modernas instalações, o que Zumbi acharia de tudo aquilo. Dispenso os insistentes convites das empresas de táxi, e pego um ônibus que acabava de entrar no meu campo de visão: Aeroporto-Ponta Verde, justo para onde pretendo ir. Assim que entro, descubro que não só entrei num ônibus, mas também no século passado: a cobradora entrega-me um bilhete de papel numerado (uma numeração sequencial, onde meu número é único), com a data e hora do trajeto manuscritos por ela mesma, à minha frente.
Saio do ônibius exatamente na porta do hotel que me haviam reservado e entro de novo no século atual: WiFi, chave eletrônica do apartamento, atendimento computadorizado.
Maceió, da brisa constante à beira mar, das tapiocas e da água de coco insuperável. Do calçadão orlado de coqueiros e amendoeiras, e também acácias iguais às daquela cidade africana voltada para o Índico. Aqui os veículos param ANTES da faixa de pedestres! A primeira vez que um ônibus assim procedeu, não arrisquei atravessar: pensei que tivesse enguiçado e que a qualquer momento fosse avançar.
Maceió do Motel “Ceqsab”Fico imaginando a cara do espertalhão que, num primeiro encontro, pergunta à tímida moça: “Onde você quer ir?”
Como acontece em todas as cidades, aqui há várias Maceiós. Aquela onde me hospedo, desde que se fique voltado para o mar, portanto, de costas para os espigões que que parecem aumentar em número da noite para o dia, é belíssima.