quarta-feira, 21 de abril de 2010

À PROCURA DE BORGES (em Buenos Aires)

Ficamos em um apartamento no bairro La Recoleta e logo me vem à memória as últimas linhas da poesia de Borges, "La Recoleta" (in "Fervor de Buenos Aires" de 1923): "... estas coisas pensei em Recoleta, no lugar das minhas cinzas."

À procura de Jorge Luis Borges, em seis passos:
1- Numa das inúmeras livrarias da Av. Corrientes, compro "Otras Inquisiciones", uma edição de La Nacion. Em seguida vou à livraria El Ateneo, na Av. Santa Fé. El Ateneo Grand Splendid era um teatro onde, entre muitos outros, se apresentou Carlos Gardel. Depois virou cinema e, a partir de 2000, uma fantástica livraria, justamente considerada uma das mais belas do mundo. No antigo palco, agora uma cafeteria, tomo um "cortado" enquanto folheio "Borges, un escritor en las orillas", de Beatriz Sarlo. Nas frisas, leitores se acomodam em poltronas com livros nas mãos, outros simplesmente passeiam entre as estantes e turistas tiram fotos. Passeio também pelas estantes tentando imaginar em quais Borges se deteria.

2- Na Calle Mexico, na antiga Biblioteca Nacinal, hoje uma sala de concertos, onde Borges foi diretor por quase 20 anos, a recepcionista informa que não podemos visitá-la, pois a sala está encerrada. Minto, dizendo que vim de Portugal EXCLUSIVAMENTE para ver o lugar onde ele trabalhou. Não resulta. Insisto. Nada. Imploro. Sou atendido!
Na sala central ela aponta o escritório dele e eu peço para tirar uma foto. Foto, não pode. É proibido. Mas... se for rápido... Peço-lhe então para ver a escada em caracol onde Borges "escondeu" o "Livro de Areia" e na qual se teria inspirado para criar a sua escada em caracol do conto "A biblioteca de Babel". Digo-lhe que viajei milhares de quilômetros só para ver essa escada. Ela me olha incrédula e, um pouco relutante, conduz-nos à direita do vestíbulo, e nos abre uma porta. E eis que surge a escada que, talvez pela escuridão, parece fundir-se no alto. De novo, e apesar da "proibição de fotografar", bato uma foto da escada.

3- Jardim Japonês: aqui, Borges costumava passear com Maria Kodama, sua esposa.
Vimos uma miríade de "tsurus", aprendo que "sakura" significa cerejeira e atravessamos várias pontes, eu sempre tentando desviar os olhos das horrendas carpas.

4- Procuro, na Calle Tucumán - 838, a casa onde Borges nasceu. Não existe mais. Informa um funcionário de um estacionamento vizinho, apontando um edifício de vários andares, ainda em construção, que se ergue no local onde a casa existiu...





5- Na Tortoni, bar-cafeteria que Borges frequentava, enquanto aguardo que o antipático funcionário me atenda, tiro uma foto ao lado da estátua dele, sentado na mesma mesa onde tantas vezes proseou com Bioy Casares.

6- Centro Cultural La Recoleta. II Bienal Borges x Kafka (a primeira foi em Praga). Duas exposições: "Labirinto" e "Livros de areia". Esta última constitui-se de duas caixas quadrangulares de um metro e pouco de largura cada, com areia. O simples enfiar das mãos na areia produz sobre ela uma quase infinita e variada projeção de textos de Borges, que mudam a cada movimento das mãos.

No saguão, a viúva de Borges, Maria Kodama, está rodeada por uma legião de fotógrafos. Aproximo-me e peço para tirar uma foto. Ao escutar meu sotaque, ela pergunta-me de onde sou e assim entabulamos uma curta conversa sobre Borges e lugares de Portugal. Os fotógrafos não param de disparar os flashs. Quem será aquele desconhecido, de chapéu na cabeça, que capta as atenções da convidada principal? Seguramente, no dia seguinte, serei capa de algum diário da capital portenha... O título: "Maria Kodama em animada conversa. Quem será o desconhecido?".




Nos fornecem várias explicações para a cor da Casa Rosada. Fico com a que mais me impressiona: cal misturada com sangue de animais que eram abatidos na praça de Maio. Em La Boca tiramos uma foto dançando tango... e aprendo que as cores do time de futebol Boca Juniors, azul escuro e amarelo ouro, se devem ao fato de que um dos dirigentes do clube, sentado no cais do porto, decidiu que as cores do clube seriam as da bandeira do primeiro navio que entrasse no porto. E assim foi: o primeiro navio que entrou, portava bandeira sueca!




Buenos Aires dos livros e livrarias, dos bares onde se disponibilizam pequenas bibliotecas com livros de Borges (projeto "Yo leo en el bar"). Bs As, Capital Mundial do Livro 2011, pela UNESCO.







Buenos Aires do bom vinho, dos fileteados, da deslumbrante arquitetura, dos frondosos parques com paineiras, jacarandás e tipuanas tipu, e... lindas mulheres!

Sim, também assistimos a uma sessão de tango, comemos parrilla, empanadas e alfajores, visitamos o Museu de Arte Popular e o monumento a Carlos Gardel, e as cores de La Boca. E... principalmente papeamos com amigos, no caso, Marta e Eduardo simpáticos portenhos que nos levaram a casa de Pepe (o primeiro à esquerda) e Marta (a primeira à direita) para saborearmos a melhor PARRILLA de Buenos Aires, acompanhada de um divino Museo malbec 2007.


Nem Rio de Janeiro, nem Madrid. Nem Montreal, nem Milão. Nem São Paulo, nem Lisboa.

Imperdível mesmo é BUENOS AIRES!