sábado, 8 de dezembro de 2012

Escrevo...


Escrevo, pois as palavras, pronunciadas, atropelam-me ideias, incompletam-nas, deturpam-nas, deturpam-me. Desenhadas no papel elas permanecem mais tempo que o tempo, desdobram-se, germinam sentidos, passam além de mim, multiplicam-me.
Palavras, leva-as o tempo, poderia ser o dito. Mergulhadas no rio-tempo, são jogadas às margens e apanhadas por quem delas se embebedará. Alguém que, apenas porque o tempo-rio corre, nem sequer é mais quem foi…
As palavras, pronunciadas, mudam, emudecem, trocam-se, enveredam caminhos outros…
Por isso, escrevo.


AS SETE VIDAS DO BAIXINHO

BAIXINHO  e eu

Ilha Grande, praia da Biquinha
Na praia da Biquinha, converso com Baixinho, ou melhor… ouço o que ele conta.
Sessenta e três anos, marinheiro, pescador, artesão, marceneiro, boletim meteorológico certeiro, construtor de canoas, mateiro, cozinheiro, profundo conhecedor das plantas e animais da ilha, etc, etc… tem sete vidas.
─ As coisas só acontecem quando tem que acontecer; a gente só vai quando tem que ir ─ sentencia.
E ele terá sete vidas mesmo.
Certa vez foi mordido por um morcego. Dormia em uma cabana de pau a pique e não se deu conta. A mordida deve ter atingido um vaso sanguíneo no dedo do pé que sangrou a ponto de encharcar o lençol, o chão e escorrer pelas tábuas. Algo o acordou, passou a mão pela perna. Sentiu-se desfalecer. Andou uma semana se enroscando pelos cantos. Anemia.
De outra feita, cansado de olhar os sanhaços devorando o cacho de bananas da sua bananeira preferida, resolveu dar um jeito. Banquinho embaixo da árvore, esticou os braços e cortou o cacho. Mas... uma aranha caranguejeira entrou-lhe pela manga da camiseta. Desmaiou. Passou três dias vomitando. Sobreviveu.
Jararaca
Outra vez sonhou que pegava uma fruta de conde de tamanho avantajado, de cor laranja. Premonição certeira: no dia seguinte, querendo pegar uma manga, vasculhou o chão procurando um galho. Porém, um passo em falso fê-lo pisar numa cobra: jararaca! Segundos volvidos, começaram as alucinações. Tudo em volta dele era de cor laranja. Barcos, árvores, pessoas, tudo. Tudo laranja. Um barco levou-o às pressas a Angra dos Reis, o soro antiofídico salvou-o. Não sem sequelas.
Foi a única vez em sua vida que precisou de um médico.
Ilha Grande, baía de Angra dos Reis


Melhor, foi a única vez que, em uma de suas sete vidas, precisou de um médico.