Ayamonte, pequeno burgo fronteiriço a Portugal, mais
precisamente a Castro Marim. Separa-os ou, como veremos, une-os o Rio
Guadiana. Melhor, algo sob o rio. Há quem garanta que existe um túnel debaixo
do rio, unindo as vilas.
― Escutam-se ruídos vindos de lá de baixo, sons de
vozes, cascos de cavalos… tem um túnel lá, sim.
A idosa senhora fica abanando a cabeça, afirmativamente.
Banco de jardim em Ayamonte (azulejos feitos em Triana) |
Sentei-me ao lado dela, num belíssimo banco coberto
de azulejos, na praça principal da vila.
― Ayamonte é o lugar mais misterioso de toda a
Espanha ― garante, sem parar de abanar a cabeça; e, após uma pausa ―um
cavaleiro das Idades Médias passa
pelas ruas da vila nas noites de lua nova. Todo iluminado… Assim…
A senhora abre os braços em direção ao sol.
Aya,
do ibérico antigo, significa monte.
Os romanos, quando aqui chegaram, traduziram a palavra Aya: Mon-tij, que
significa, também, monte.
Talvez
o nome mais apropriado para o local seja Montemonte…
― Mas esse… esse cavaleiro, quem já o viu?
―Ah… muita gente, mas só pelas costas. Os olhos dele furam o coração das pessoas...
―
Já furaram alguém?
― Já! ― exclama ela ― o
último foi no ano passado. Um vizinho meu, por aposta, disse que olharia de
frente o cavaleiro e que nada lhe ia acontecer. Quando escutaram os cascos e os
cachorros uivando, ele saiu à rua e olhou o cavaleiro.
A idosa senhora faz uma
pausa longa, sem parar de abanar a cabeça.
― Mortinho! Caiu
mortinho sem um pio sequer. Olhe, é de lá que o cavaleiro vem. Do outro lado,
de Portugal. Passa por dentro do túnel e vem procurar a noiva… Ele não sabe que
ela se enforcou há muitos anos…
Papeamos um pouco mais,
despeço-me e dirijo-me à vizinha Isla Canela. A senhora ficou me acenando, levantando um pouco a mão direita e abanando a cabeça,
afirmativamente.
Tomando anotações, em Isla Canela |
Em Isla Canela uma água morna convida a um mergulho. Palmeiras ao longo da margem.
Nas mansões à beira mar, boa parte delas à venda, os ricos saboreiam
conquilhas, regadas a vinho.
No mar em frente, os
pobres catam conquilhas.