sexta-feira, 27 de julho de 2012

O CAVALEIRO ILUMINADO


Ayamonte, pequeno burgo fronteiriço a Portugal, mais precisamente a Castro Marim. Separa-os ou, como veremos, une-os o Rio Guadiana. Melhor, algo sob o rio. Há quem garanta que existe um túnel debaixo do rio, unindo as vilas.
― Escutam-se ruídos vindos de lá de baixo, sons de vozes, cascos de cavalos… tem um túnel lá, sim.
A idosa senhora fica abanando a cabeça, afirmativamente.
Banco de jardim em Ayamonte (azulejos feitos em Triana)
Sentei-me ao lado dela, num belíssimo banco coberto de azulejos, na praça principal da vila.
― Ayamonte é o lugar mais misterioso de toda a Espanha ― garante, sem parar de abanar a cabeça; e, após uma pausa ―um cavaleiro das Idades Médias passa pelas ruas da vila nas noites de lua nova. Todo iluminado… Assim…
A senhora abre os braços em direção ao sol.
Aya, do ibérico antigo, significa monte. Os romanos, quando aqui chegaram, traduziram a palavra Aya: Mon-tij, que significa, também, monte.
Talvez o nome mais apropriado para o local seja Montemonte
― Mas esse… esse cavaleiro, quem já o viu?
―Ah… muita gente, mas só pelas costas. Os olhos dele furam o coração das pessoas...
      ― Já furaram alguém?
― Já! ― exclama ela ― o último foi no ano passado. Um vizinho meu, por aposta, disse que olharia de frente o cavaleiro e que nada lhe ia acontecer. Quando escutaram os cascos e os cachorros uivando, ele saiu à rua e olhou o cavaleiro.
A idosa senhora faz uma pausa longa, sem parar de abanar a cabeça.
― Mortinho! Caiu mortinho sem um pio sequer. Olhe, é de lá que o cavaleiro vem. Do outro lado, de Portugal. Passa por dentro do túnel e vem procurar a noiva… Ele não sabe que ela se enforcou há muitos anos…
Papeamos um pouco mais, despeço-me e dirijo-me à vizinha Isla Canela. A senhora ficou me acenando, levantando um pouco a mão direita e abanando a cabeça, afirmativamente.
Tomando anotações, em Isla Canela
Em Isla Canela uma água morna convida a um mergulho. Palmeiras ao longo da margem. Nas mansões à beira mar, boa parte delas à venda, os ricos saboreiam conquilhas, regadas a vinho.

No mar em frente, os pobres catam conquilhas.

terça-feira, 24 de julho de 2012

NO FUTURO

No futuro próximo seremos apenas cinco fotos que alguém hesita entre colocá-las no fundo de um baú ou jogá-las fora.

EU  E MEU PAI
No futuro futuro essas fotos serão seremos poeira indistinta espalhada entre a poeira.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Mais uma do Jô!

E isto é lá cara de quem diz a verdade?

Aqui vai uma do Jô (Jorge, Jojo) ou pelo menos a ele atribuída que demonstra sua capacidade de inventar: afirma ele que há um imenso carreiro subterrâneo de formigas que começa bem debaixo do ninho das patas, no Jardim do Bonfim, em Setúbal e vai até à Noruega, mais precisamente até Karasjokque, localidade onde as temperaturas podem chegar a menos 50 graus negativos. A travessia dos rios Tejo e Douro (em Portugal) os insetos fazem-na de balsa e os 50 graus negativos, em Karasjokque, são amenizados por uma característica bem conhecida das formigas: seguindo sempre em fila indiana, cada uma sopra um bafo quente na da frente. As últimas da fila vão falecendo congeladas, é claro, mas são muitas e sempre dá para chegar um número considerável, afinal as formigas constituem 15 a 20% de toda a biomassa terrestre…
Isto, conta o Jô, rindo! Verdade? Ficção? Nunca lhe perguntei o que vão as formigas fazer à Noruega, naquele gelo… receio escutar outra (ia a escrever ficção)

terça-feira, 3 de julho de 2012

RÁPIDO BALANÇO DE MIM


Junho de 2012

Ganhei cabelos brancos, descobri que sou mortal, não todo-poderoso. Traços se formaram na pele do meu rosto e tive filhos, experimentei e me experimentei. Meu olhar, mais lento, enxerga mais longe, e alinhavei alguns de meus códigos, embora não o suficiente para me decifrar.
Creio, cresci.

domingo, 1 de julho de 2012

AS COISAS QUE MEU IRMÃO CONTA…



Caminhamos, eu e Jô, do Jardim da Estrela (Lisboa) até à Praça da Armada, em Alcântara. No Jardim da Estrela, conta ele (e eu não sei se será verdade, tal a fatia de inusitado que permeia o que ele diz) que a mãe e a tia brincavam às escondidas entre migalhas de pão jogadas aos patos, marrecos, gansos e afins. Os que por lá hoje andam seriam descendentes daqueles. Às escondidas brincavam elas também no Palácio das Necessidades, ali mesmo ao lado, onde elas descobriram uma passagem secreta que ia dar aos… aposentos do Rei Dom Carlos.
  Mas Jô… aos aposentos do rei?
  Sim, claro! – Responde meu irmão com o olhar mais sincero do mundo – O rei mesmo.
Chegamos à Praça da Armada que o povo designa de Praça do Zé do Garfo. O Zé é uma estátua de Neptuno, no centro da praça e o “garfo”, um tridente que ele tinha numa das mãos. Tinha, pois o tridente foi roubado faz tempo… Então, na Praça do Zé do Garfo, chamemos-lhe também assim, morou o bisavô dele o qual foi alfaiate dos filhos do rei. Certa vez o filho do dito alfaiate pegou “emprestada” uma farda de oficial para impressionar a namorada. Resultado: foi preso e deportado para África. Por lá penou anos a fio… Mesmo ao lado morava seu tio Casanova, IV Visconde da Várzea da Ourada. De frente para a praça residiu seu avô que, após calafetar aporta e a janela do banheiro, ligou o gás, suicidando-se: administrava um cassino clandestino flutuante de um figurão político, passou a mão nos lucros do dia e foi descoberto. Bem ao lado moravam os pais. Tinham um gato que odiava o pai e demonstrava-o urinando em todas as fotos que dele encontrava.
E meu irmão vai desenrolando histórias.
  Podias escrever um livro – digo-lhe – nem precisas inventar (mais) nada. É só relatares fatos acontecidos.
O que ele conta ultrapassa a ficção. Ou… é ficção.
Retemperamos forças numa tasca ao lado da praça

(tomara que ele não leia esta postagem)

Amor à primeira vista...

Foi assim, à primeira vista. Olhei, gostei, fiquei!

MENDIGO SINCERO...



Finalmente um mendigo sincero e honesto! Encontrei-o no Chiado, em Lisboa. Organizado, ele tem recipientes para várias opções de esmolas: para comprar whisky ou vinho ou cerveja, ou até para se curar de uma possível ressaca.
Gostei. Coloquei um donativo no recipiente destinado à cerveja.

SETE GRAUS ABAIXO DE ZERO!!!!!


Entre o Rio e Paris. A passageira ao meu lado ressona alto. Nem os gritos de Bruce Lee que saem dos auscultadores lhe perturbam o sono. Do outro lado um outro pede mais duas garrafinhas de vinho: se até agora quase não parou de falar (sem dar a mínima para o fato de ser ou não escutado), com mais duas garrafinhas…
Finalmente o comandante anuncia a aproximação à pista do aeroporto Charles de Gaulle. “São oito da manhã, hora local. O tempo apresenta-se bom, sete graus negativos. Tenham todos um excelente resto de dia.” Teria eu escutado bem? O tempo apresenta-se bom, com sete graus negativos? Será ironia do comandante?
Na sala de embarque, enquanto aguardo a conexão para Lisboa, e depois de já ter dado duas voltas ao aeroporto, tentando em vão esquentar os pés, visto os casacos de lã que trouxe, embrulho-me no cobertor que peguei “emprestado” da Air France e enrosco-me num dos poucos aquecedores existentes na sala, que tentam, sem sucesso, elevar a temperatura ambiente.
Pela vidraça vislumbro o que a princípio pensei serem seres humanos. Impossível! Com sete graus negativos serão certamente robôs telecomandados.

 “Onde te vi despir, regresso agora para adormecer ou chorar…”. Frase escrita (autor: J. Co. D.) num muro em uma rua de Lisboa, perto do Largo de Dona Estefânia. Melancólica, tristonha, enlutada, dramática… lusitana. Penso como apareceria, usando o mesmo mote, essa frase numa parede de uma rua no Rio de Janeiro. E reescrevo-a mentalmente: “Onde te vi, regresso agora para te despir e adormecer agarrado a ti…”.
Adiante recebo um panfleto do Mestre Astrólogo e Curandeiro, Professor Sharifo Mustafa. No texto está escrito que ele “descobre todas as causas, ajuda a resolver todos os problemas, complicadíssimos. Tem soluções fáceis e com garantia”.
Seguramente ele saberá o porquê da diferença entre a frase escrita e a que eu imaginei. 
Vou lá!