sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

DE NOVO EM MORSING!

De novo em Morsing. Um calor de rachar. Mesmo assim, dou uma volta pelo vilarejo. Os maiores edifícios são os da Igreja Metodista, da Assembleia de Deus e da Igreja Católica. Uma dezena de botequins e... nenhuma farmácia. Deste modo, o vilarejo destoa dos dizeres de William K. Campbell em seu livro (creio que ainda não traduzido para o português) THE DARK FACE OF LATIN AMERICA: "... os centros urbanos brasileiros, independente da quantidade de habitantes, estão invariavelmente entupidos de igrejas, botequins e farmácias".

Morsing: o picapau comendo banana, o surpreendente Dão Meia Encosta, os morcegos entocados na laje com as cabeças de fora, a alegria da Rô mexendo na terra, a briga das formigas com as abelhas no tronco da goiabeira, o doce de goiaba, a enxurrada do final de tarde, o tempo parado. E o silêncio que, como se sabe, é uma mostra de que o tempo parou.


Morsing, o trem continua a passar, a apitar, mas não para.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

ILHA DE PAQUETÁ

Outra ilha...

Pedaço do Rio antigo, no casario, nas luminárias das ruas, nos espaços amplos e, principalmente, no ritmo pausado das gentes.

Apenas cinco veículos a motor. Nas duas horas e meia que circulei pela ilha de bicicleta, entrando em todas as ruas, não deparei com nenhum. Por isso meu espanto com os dizeres de uma placa metálica afixada em uma rocha numa das curvas das empoeiradas ruas: " ..., amigo e amante de Paquetá, aqui faleceu vitimado por um trator".

Aqui, Madame Curie (aquela mesma que ganhou dois Prémios Nobel) chegou de hidroavião para passar uns dias. Também Dom João VI aqui aportou. O enferrujado canhão usado para saudar sua chegada lá está exposto.

Na Praia dos Tamoios, um pedaço de África: um majestoso embondeiro! Conta a lenda que um escravo moçambicano, pressentindo que o arrancavam de seu chão natal para sempre, trouxe a semente e aqui a plantou, para que um dia seus descendentes pudessem, seguindo a tradição, ser enterrados à sua sombra. (é o que conta a lenda, não sei se é verdade, tanto mais que fui eu próprio que a inventei). Numa placa presa ao tronco da árvore, pode-se ler:
"Sorte por longo prazo...
A quem me beija e respeita.
Mas sete anos de atraso...
A cada maldade a mim feita."


Pelo sim e pelo não, beijei-lhe o tronco.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

MOÇAMBIQUE

Só hoje consegui alinhavar alguns pensamentos que cercam uma viagem que fiz a Moçambique, há tempos atrás. Aqui vão eles, transformados em 3 pequenos textos:

SENTIDO INVERSO (Brasil - Moçambique)

Trinta anos depois de ter atravessado o Atlântico Sul, refaço a rota, no sentido inverso. Já no ar, descubro o que suspeitava: não estou viajando para o meu país, estou deixando-o. Rearranjo os pensamentos e desfaço as malas arrumadas há tempos, em becos do meu peito. Depois, troco as emoções de lugar e refaço as bagagens, com novo olhar.
Estou indo fazer turismo, nas gavetas empoeiradas de minha própria memória.

SALA DE ESPERA

Maputo, Moçambique. São tantos os buracos nas ruas, que um dito local afirma que aqui, bêbado, é quem dirige em linha reta. Estaciono o carro para bater uma foto, e logo dois ou três persuasivos vendedores ambulantes me assediam. Compro bananas, que são vendidas a peso. Indeciso quanto ao número delas que devo colocar no prato para perfazer um quilo, indago o vendedor. A resposta não poderia ser mais honesta:
- Ah... isso depende.
Ante meu olhar admirado, o vendedor prossegue:
- Depende da balança, patrão.
A venda ambulante é a única alternativa para o desemprego que grassa por estas bandas. Nas calçadas, sozinhos ou em grupo, negros em atitude de espera, braços cruzados. Nos mercados, sozinhos ou em grupo, negros conversam entre si, ou olham, mudos, as pontas desgastadas dos sapatos. Na marginal, sozinhos ou em grupo, negros fitam a linha do horizonte, esperando.
Maputo é hoje a maior sala de espera do planeta.



O ESPINHO DA MICAIA*
Praia do Tofo (Moçambique). Acordo com o nascer do sol e vou para a praia. Caminho ao longo da indefinida linha divisória entre o mar e a areia. Colho conchas e revejo as temíveis garrafas azuis, pequenos cnidários urticantes. Recordo as rochas que deixei há trinta anos, as dunas onde acampei e as tranparentes águas do Índico. Subo a uma duna. Lá do alto alcanço com o olhar toda a baía, a praia até perder de vista. Penso que ela é igual a algumas da minha terra. Porém, no instante em que assim penso, no preciso momento em que outra terra que não Moçambique ocupa dentro de mim, a primazia de ser a minha terra, piso, inadvertidamente num galho de micaia, que fura meu pé, fazendo-o sangrar. Dobro-me, retiro o espinho com cuidado e olho em volta. Esfrego o pé para aliviar a dor e penso se a "agressão" da micaia terá sido uma manifestação de desagrado, de desapontamento em relação ao meu pensamento, para com o solo que me viu crescer.
*Micaia - árvore da família das leguminosas, espinhosa, com folhagem miúda e rara (do "ronga" n' kaia)

sábado, 2 de janeiro de 2010


Maricá: céu nublado, mar agitado, "Cabeça de Burro", guando, pitanga na margem da lagoa, futebol na TV, Lucas e Lorrany jogando "5S", Rô papagueando o tempo todo.

DE NOVO NA ILHA GRANDE




A bordo da barca Imbuhy vejo a ilha se desenhar... Assim que ponho os pés em terra, mochila às costas, abalo pelas trilhas.
Tenho que palmilhar o teu chão, cheirar o teu mato e beber tua água para te sentir.
Paro, cansado, na enseada de Palmas. Agora sim, cheguei à Ilha. Na volta tomo um banho gelado na Praia da Bica.


Não me sinto à vontade no mar nem na água. É na terra, na pedra, na trilha, no mato que me sinto bem. Do ar quero apenas o cheiro de mato e do mar a propriedade que ele tem de, de quando em vez, circundar a terra formando ilhas.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

MORSING




Morsing, estado do Rio (a cerca de 8 km de Mendes). Sábado, chove sem parar. Arrisco uma caminhada. Nas poucas ruas, pessoas se cumprimentam e me cumprimentam. Das janelas e portas entreabertas, cabeças espreitam o intruso. Uma galinha preta cisca no meio da rua, rodeada de dez pintos, irrepreensivelmente brancos. Na Barbearia Ronaldo, as duas cadeiras estão ocupadas por transeuntes que se protegem da chuva e travam descontraída prosa. A Igreja Metodista anuncia para amanhã, domingo, a Escola Bíblica Dominical. Para a mesma hora a Assembleia de Deus convoca para o Encontro de Limpeza da Alma e a Igreja Católica, a costumeira Missa dominical. Num pano estendido a toda a largura da rua, leio: "Final da Copa Verão. Festa no Campo de Morsing". Para a mesma hora! Não deverá haver gente para tanto evento.


Morsing. O trem passa, apita, mas não para.