sábado, 27 de setembro de 2008

Fendas, Falhas, Fissuras, Frestas



Editados recentemente em Lisboa, meus últimos textos são curtas metáforas elaboradas sobre fotos de um amigo, o Ricardo Barradas. Segue uma das fotos e o texto correspondente. Breve estarão disponíveis em link próprio todas as fotos e textos
Olho-te de alto a baixo. Fenda escura e húmida, receptáculo dos meus desejos, parêntesis de mim.
Tento penetrar-te. Fendas são livros fechados sem títulos nas capas. Abri-los, é fazer dançar falha com falha, fissura com fissura. Mas o passo nem sempre se acerta.
Há que escutar a mesma melodia, fechar os olhos e enfrentar os receios do escuro dando asas à incerta aventura dos desejos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

LIVRO SOBRE UMA VIAGEM PELO AMAZONAS...

Ando a escrever um livro sobre uma viagem que fiz, com Rô, subindo o Amazonas, de Belém a Manaus. Mas... minha produção tem sido muito escassa. Ainda não tenho material suficiente para uma publicação.
Aqui vai um trecho dele.

(...) No mercado VER-O-PESO o que mais nos prendeu a atenção foram umas barracas, dezenas delas coladas umas nas outras, expondo ervas, raízes, garrafadas com conteúdos de estranho colorido e milhares de pequenos frascos com multicoloridos líquidos e ingredientes que prometem a cura para todos os males. E o alho macho, o olho de boto, as escamas de pirarucu, o sexo de bota, os cornos de búfalo, o fumo de rolo e o sal grosso, além de imagens de santos de todas as religiões. A vendedora olha-me nos olhos e faz o diagnóstico:
― Viagra natural? Garrafada? Fique à vontade freguês.
A rádio toca um forró: “Agora é que ficou bom, Chegou o Chico Rola no forró do Zé Bonito (...) Levanta a mão quem quer namorar pelado (...) Tá do jeito que eu gosto, ela liberou geral”.
Os frasquinhos realizam milagres, expressos nos seus rótulos: “Chama ele”, “Chama ela”, “Chega-te a mim”, “Pega e não me larga”, “Chora nos meus pés”, “Volta pra mim”, “Vai mas volta”, “Desejo”, “Cai nos meus braços”. Quebram feitiços, curam doenças, afastam o mau olhado.
Defumadores, colares de sementes coloridas, raízes, cascas de árvores, incensos, bálsamos, perfumes, unguentos. Velas de 7 dias, de 11 dias, de 21 dias, de...
― Arruda? Jasmim? Patchoulli? Água de colônia? ― pergunta outra vendedora, me sugerindo algo mais brando.
Sorrio, abano a cabeça negativamente, é difícil fugir das vendedoras. Escapa-se de uma e está-se logo ao encalço de uma outra.
E a rádio agora parece acompanhar o tom dela: “Que saudades da professorinha que me ensinou o B-A-BA. Onde andará Mariazinha...”
Cuias trabalhadas minuciosamente, algumas com pinturas, outras com finos golpes que lhes conferem formatos geométricos belíssimos, e potes, jarros, cinzeiros, peças decorativas em cerâmca marajoara são vendidas em várias tendas. E não só no Ver-o-Peso. A cerâmica, embora originária da Ilha de Marajó encontra-se à venda por toda a cidade. Atualmente o polo de produção é em Icoaraci, pequena localidade a cerca de vinte quilómetros de Belém.

Junto ao cais, compramos redes e cordas para a subida do Amazonas e para as curtas viagens que estamos planejando fazer à Ilha de Marajó e ao litoral do Pará... (...)

EXPOSIÇÃO - ALMANCIL - PORTUGAL


No dia 13 de setembro foi inaugurada a exposição VAZIOS DO SER. Uma exposição de quadros da artista plástica Lígia Rodrigues, baseados em textos meus.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

EXPOSIÇÃO "VAZIOS DO SER"




Um aspecto da exposição.

Os textos estão manuscritos, encimados pelos quadros neles inspirados.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

CRÔNICA

Há tempos descobri, em Fortaleza onde fui dar uma oficina, um livreto com crônicas, assinadas por um "outro" autor, onde constavam algumas de minha autoria... Esta que segue, está já publicada, em livro.

A MINHA PÁTRIA
Málaga, Espanha. Subindo ao alto das muralhas do castelo, escuto o canto mouro com que as mulheres andaluzas atenuam os rigores do calor, enquanto cuidam dos jardins em torno das muralhas.

Lentamente o canto delas sobrepõe-se às explicações que o paciente guia fornece sobre reis, guerras e datas, e deixo de o escutar.

Abandono o grupo que o seguia e debruço-me nas ameias do castelo. Trazido pelo vento suave, o canto das mulheres é agora mais nítido. Olho a cidade lá do alto e penso no que me faz sentir como se estivesse em casa, no que me faz sentir como se estivesse na minha pátria.

Pátria vem de pai. Pai é aconchego cálido, é abraço. Pátria é prolongamento da pele. A pátria, não a nação. A nação é onde estão os prefeitos, os governadores, os deputados, o presidente. Pátria é onde estão os que são queridos. O conceito de pátria é amistoso, o de nação é agressivo. A nação existe porque a desenharam em um mapa, porque construíram paredes dividindo o solo que pisamos. A pátria não está delineada em nenhum lugar. Os pertencentes à mesma pátria se reconhecem entre si, os da mesma nação nem sempre. As pátrias existem por ligações indeléveis, as nações subsistem mediante pactos. A nação é quase sempre uma colcha de retalhos.

Não sei se serei de alguma nação. Sei, claro, a qual nação dizem que pertenço. Mas sei de que pátria sou. Sou também daqui, de Málaga e deste canto mouro que estas mulheres entoam enquanto alindam os jardins em torno destas muralhas. Canto que me tira o ar, me faz inchar o peito, me aconchegando feito ninar de pai, de pátria. E me mostra, quão maior e diversa minha pátria se torna a cada dia.


VELUDO, Pedro. ÁLBUM DE RETRATOS

Rio de Janeiro,
Ed. Graffitti, 3ª edição, 2002.