segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

MOÇAMBIQUE

Só hoje consegui alinhavar alguns pensamentos que cercam uma viagem que fiz a Moçambique, há tempos atrás. Aqui vão eles, transformados em 3 pequenos textos:

SENTIDO INVERSO (Brasil - Moçambique)

Trinta anos depois de ter atravessado o Atlântico Sul, refaço a rota, no sentido inverso. Já no ar, descubro o que suspeitava: não estou viajando para o meu país, estou deixando-o. Rearranjo os pensamentos e desfaço as malas arrumadas há tempos, em becos do meu peito. Depois, troco as emoções de lugar e refaço as bagagens, com novo olhar.
Estou indo fazer turismo, nas gavetas empoeiradas de minha própria memória.

SALA DE ESPERA

Maputo, Moçambique. São tantos os buracos nas ruas, que um dito local afirma que aqui, bêbado, é quem dirige em linha reta. Estaciono o carro para bater uma foto, e logo dois ou três persuasivos vendedores ambulantes me assediam. Compro bananas, que são vendidas a peso. Indeciso quanto ao número delas que devo colocar no prato para perfazer um quilo, indago o vendedor. A resposta não poderia ser mais honesta:
- Ah... isso depende.
Ante meu olhar admirado, o vendedor prossegue:
- Depende da balança, patrão.
A venda ambulante é a única alternativa para o desemprego que grassa por estas bandas. Nas calçadas, sozinhos ou em grupo, negros em atitude de espera, braços cruzados. Nos mercados, sozinhos ou em grupo, negros conversam entre si, ou olham, mudos, as pontas desgastadas dos sapatos. Na marginal, sozinhos ou em grupo, negros fitam a linha do horizonte, esperando.
Maputo é hoje a maior sala de espera do planeta.



O ESPINHO DA MICAIA*
Praia do Tofo (Moçambique). Acordo com o nascer do sol e vou para a praia. Caminho ao longo da indefinida linha divisória entre o mar e a areia. Colho conchas e revejo as temíveis garrafas azuis, pequenos cnidários urticantes. Recordo as rochas que deixei há trinta anos, as dunas onde acampei e as tranparentes águas do Índico. Subo a uma duna. Lá do alto alcanço com o olhar toda a baía, a praia até perder de vista. Penso que ela é igual a algumas da minha terra. Porém, no instante em que assim penso, no preciso momento em que outra terra que não Moçambique ocupa dentro de mim, a primazia de ser a minha terra, piso, inadvertidamente num galho de micaia, que fura meu pé, fazendo-o sangrar. Dobro-me, retiro o espinho com cuidado e olho em volta. Esfrego o pé para aliviar a dor e penso se a "agressão" da micaia terá sido uma manifestação de desagrado, de desapontamento em relação ao meu pensamento, para com o solo que me viu crescer.
*Micaia - árvore da família das leguminosas, espinhosa, com folhagem miúda e rara (do "ronga" n' kaia)

Um comentário:

Anônimo disse...

Pedro peco que contactes cpereira521@gmail.com! Obrigado velho amigo!