sábado, 9 de março de 2013

RECEITA PARA SER UM TURISTA IMPORTANTE

Segue a receita para se ser um turista importante (que não lhe "assente a carapuça", leitor)


O turista importante pode ser homem ou mulher, ou até mesmo criança. Não importa sexo ou idade. O que faz um turista ser importante, são suas atitudes.
O turista importante não se hospeda em casa de amigos ou simples pousadas, onde o contato com residentes tangencie a informalidade. Ele fica em hotéis de luxo, com um conforto mínimo, em tudo semelhante ao de sua própria residência: tapetes felpudos no chão e amplos sofás. Nesses hotéis não é preciso conversar com ninguém local. Para que as necessidades sejam satisfeitas, basta encomendar ou ordenar o que se precisa, por telefone, sem mais problemas ou intimidades.
O turista importante exige sempre um apartamento com ar refrigerado. Nada de janelas abertas, pois nunca se sabe o que pode vir junto com o ar fresco.
O turista importante não se arrisca a provar a cerveja local ou o destilado produzido no país que visita. Para ele, o whisky a que se acostumou, é o aperitivo que o satisfaz.
O turista importante tampouco come a comida local, pois não pode passar sem um bife mal passado, o arroz no ponto e as batatas fritas bem sequinhas.
O turista importante não viaja nunca nos transportes públicos dos locais que visita, pois não há nada que chegue a um bom taxi com ar refrigerado e vidros fumé.
O turista importante não se arrisca a perder tempo assistindo a manifestações culturais locais, como a dança ou a música, a menos que sejam organizadas por alguma empresa de turismo credenciada (credenciada no país dele), e caso não haja nenhum jogo de futebol importante, a ser transmitido pela TV via satélite do seu hotel.
O turista importante sempre compra lembranças para levar para casa, muitas vezes ícones de lugares que ele não teve disposição para visitar, mas que estão disponíveis nas vitrinas, atendidas por funcionárias muito atenciosas, das lojas situadas no térreo do hotel onde ele está hospedado. Aliás uma das características de determinados turistas importantes é visitar outro país como se esse país, todo ele, fosse uma espécie de supermercado gigante. E voltam para casa descrevendo o lugar que visitaram, como se ele fosse uma sucessão de vitrinas, com utensílios e coisas à venda.
O turista importante bate fotos e filma os locais de interesse turístico. Os filmes são feitos de dentro de coletivos fretados pelo hotel ou em mirantes conhecidos, seguros, guardados, vigiados, quase tranquilos, quase selados. As fotos que o turista importante bate, são como devem ser: prédios, monumentos, praças, obeliscos e paisagens, que serão tão mais interessantes quanto mais parecidas forem as fotos, com os postais que retratam esses mesmos prédios, monumentos, praças, obeliscos e paisagens. Afinal, como provar, no regresso a casa, que ele visitou esses locais?
O turista importante tem que ter sempre o celular funcionando, pois ele precisa o tempo todo estar conetado com o lugar de onde vem, não vá se conetar por engano, com o país que visita.
O turista importante, a não ser com a indispensável orientação de um guia que lhe aponte o que é importante ser visto, raramente sai a pé pelas ruas e praças dos locais que visita. Além de não ser de bom tom, não seria seguro, pois encontraria pessoas do local com as quais se relacionaria, e poderiam ocorrer imprevistos.
Aliás, imprevistos são eventos que nenhum turista importante quer ter. Os únicos toleráveis poderão ser o bife do jantar mais passado do que deveria, ou a água do banho não estar suficientemente quente.
Finalmente o turista importante regressa a casa com a visão que de fato interessa ter, a visão padrão dos locais que visitou, em tudo semelhante à visão que outros turistas importantes que o precederam nesses locais ficaram, e à da que turistas importantes que virão depois dele, terão.
Nem sempre é fácil ser um turista importante. Afinal, muitos dos locais visitados têm normas, hábitos e comportamentos no mínimo diferentes, por vezes estranhos. E é difícil no curto tempo de uma visita impor aos locais, os hábitos e comportamento do lugar de onde se vem. Mas, vale a pena tentar...

2 comentários:

Ligia Rodrigues disse...

Gostei moderadamente muito. Note-se que eu, sendo um turista demasiado importante, nem sequer me atrevo a fazer turismo...não vá me confundirem com algum turista importante...e arriscar com isso a banalizar o 'demasiado'....!
Bjos. Ligia

Mural do Pedro Veludo disse...

Liginha, duvido que sejas "importante" nos termos que coloco.