sábado, 4 de outubro de 2008

CRÔNICA

*Na conversa com Seu António do Bairro (bairro?) Estucador (estucador?), e a propósito do modo como enunciou seu nome, lembrei-me desta crônica que abaixo transcrevo, publicada no livro de crônicas "Álbum de Retratos"
ALMIR NOME DE GUERRA I
A bordo do Cometa Halley, a caminho de Manaus, converso com o comandante...
― Almir, Almir nome de guerra.
― Sim ― disse-lhe eu ― mas o seu nome mesmo é...
― Já lhe falei: Almir.
― Mas ― perguntei, confuso ― Almir, não é o nome de guerra?
― Correto: Almir nome de guerra.
Interrompi o diálogo. Tive receio de aborrecê-lo. Porém, não era esta a única ambigüidade no comandante. Quando alguém ao meu lado lhe perguntou há quantos anos ele andava no rio, respondeu:
― Há muitos.
― Você nem lembra mais há quantos... ― insistiu, com um sorriso, o contabilista de anos ao meu lado.
― Não ― respondeu o comandante, piscando um olho.
A princípio pensei que ele piscasse os olhos para fazer sinais a alguém invisível para nós, bem à sua frente. Ou fosse uma espécie de tique. Depois concluí que não. O velho caboclo teria mais de setenta anos e na certa fechava os olhos alternadamente para os descansar.
À noite, nos lugares mais difíceis, e na neblina cerrada da manhã, era ele quem estava ao leme, sempre rodeado de um ou dois pilotos mais jovens, que observavam em silêncio. E o comandante Almir Nome de Guerra, apontando a invisível margem, diz:
― Muratinga. Ali ― aponta mais adiante ― é a boca do Madeirinha.
Tudo com um olho só. Consulto o mapa que havia comprado por ser o mais minucioso dentre três ou quatro disponíveis em mais de uma dezena de livrarias e bancas de jornais por onde deambulei.
― Não adianta olhar. Não vem aí ― diz ele sem olhar o mapa que eu pensava estar consultando com discrição, e sem tirar o olho do rio.
Não vinha mesmo. Pergunto-lhe se existirá algum mapa onde esses pequenos locais e acidentes geográficos venham assinalados.
― Só nesse aqui ― responde-me, impassível.
Procuro em volta e não vejo qualquer mapa. Olho inquisitivo um dos pilotos, que me faz uma indiferente afirmativa, enquanto os seus olhos acompanham o do mestre.
― Qual mapa, comandante? ― pergunto.
― Esse aqui ― responde ele no mesmo tom.
Imitando-os, concentro a minha atenção no rio. O mapa estava todo dentro da cabeça dele e a ponta do lápis, que uso para percorrer e assinalar o meu, eram os seus olhos. No caso do comandante Almir nome (?) de guerra (?), um olho só.

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